Um comunicado que tombou um Governo

João Queiroz

João Queiroz

Um comunicado que tombou um Governo

Entre os teóricos da comunicação há uma corrente que defende que o comunicado de imprensa ou press release, como lhe queiram chamar, deixou de ser o Santo Graal das Relações Públicas. É verdade que, se o comunicado conheceu a sua glória há algumas décadas, hoje a sua eficácia diminuiu. Acreditar que ele será necessariamente visto, lido e divulgado é um erro crasso e revelador da falta de compreensão do panorama mediático, das suas dinâmicas e regras de funcionamento. É também verdade que hoje é um mito pensar que toda a informação passível de ser comunicável requer o envio de um comunicado.

Ainda assim, e apesar da fragmentação dos meios de comunicação social, do surgimento das novas formas e canais de comunicação mais personalizados, apesar de termos à disposição uma série de caminhos alternativos, o comunicado continua a ser uma ferramenta valiosa para os profissionais de RP. Porque oferece uma forma estruturada e formal de veicular notícias, aumentar a visibilidade, moldar a narrativa que cerca uma organização, construir confiança e engajar o público ou posições relevantes.

Aliás, segundo o Relatório Global dos Media em 2023, publicado pela Cision, o comunicado é, para os jornalistas, a fonte mais útil para gerar conteúdos ou ideias (35%), seguido pelos especialistas da indústria (18%) e das maiores agências de informação (14%). Já em 2022, o estudo indicava que mais de 3 em 4 jornalistas (76%) o elegiam como o tipo de conteúdo que mais querem dos profissionais de RP.

“Os comunicados de imprensa são documentos polivalentes e multifuncionais, são o canivete suíço das Relações Públicas”, escreveu recentemente Stephen Waddington, veterano da indústria britânica das Relações Públicas e fundador da Wadds Inc., empresa de consultoria profissional para agências e equipas de comunicação.

De facto, o comunicado continua a ser para as organizações uma arma poderosa que, em alguns casos, pode ser mortífera. Como aquele emitido pelo Ministério Público, a 7 de novembro de 2023, que resultou na demissão do primeiro-ministro. Na verdade, não é um comunicado, como todos lhe chamaram. É, como designa o MP, uma “Nota para a Comunicação Social”, embora no site oficial da Procuradoria-Geral da República apareça na secção Comunicados, uma declaração formal, oficial, despida de considerações laterais, que não deixa dúvidas sobre a proveniência e sobre o que se quer comunicar. A palavra deriva do latim communicatus, que significa algo que é partilhado.

Chamaram-lhe “Nota para a Comunicação Social”, o que, a priori, parece algo ligeiro para o que está em causa. Tendo em conta o que comunica, de extrema gravidade, com informação sobre problemas judiciais com ministros e o próprio primeiro-ministro alegadamente envolvidos, não é propriamente uma informação igual às outras. Esta tinha uma especial sensibilidade, como se viria a confirmar. Foi uma “Nota” — ou um comunicado, como lhe queiram chamar — que decapitou um Governo, esvaziou uma maioria absoluta e abriu uma crise política no país.

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2023-12-11T23:01:31+00:00
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