Duplo Desafio

Por Carlos Furtado

Enquanto pai e gestor olho para a época em que vivemos com redobrada preocupação e com um sentimento de duplo desafio. Ou seja, a preocupação de pai que vê os seus filhos a preparem-se para entrar no mercado de trabalho e a preocupação do gestor que vê as condições que vai proporcionar aqueles que se preparam para entrar no referido mercado de trabalho.

A experiência vale tudo

É sabido que a experiência, que o conhecimento acumulado bem como a educação, são a maior das riquezas do ser humano. Ou seja, é isso que nos distingue de outros seres vivos e dos robots que tantos e tantos elogiam. Quantas e quantas vezes valorizamos o saber que avós passam a netos? E de pais para filhos? Quantas e quantas vezes repetimos “já os meus avós diziam”. É o chamado saber acumulado. É, portanto, o saber da história, o saber do passar dos tempos.
E hoje, o que enfrentamos, é um caminho diferente desse; quase oposto. Já vivíamos numa sociedade que se organiza cada vez menos em família, cada vez mais “solitária”, cada vez mais em correrias desenfreadas e tantas e tantas delas sem sentido.

Um novo paradigma

A pandemia veio, assim, impor uma separação forçada dos mais novos com os mais velhos, um fosso que não pode existir. E são muitas as vozes que ainda o “pretendem” aumentar culpando os mais novos pelas mortes dos mais velhos. Acusando-os de serem egoístas.
Há que ser realista e perceber que aqueles que hoje acusamos de tão grave desígnio apenas estão a fazer o que nós lhes ensinamos. A serem eles próprios, a procurarem um bem-estar diário, a viverem em sociedade. E não são culpados de nada a não ser do gozo maior de quererem viver. De serem livres.

Renovação geracional

E o que se passa no mercado de trabalho? Se é certo que é a entrada dos mais novos que vai originar a saída dos mais velhos, a chamada renovação geracional que é fundamental para manter vivas as empresas e dar-lhes a força para enfrentar os desafios que nos obrigam a mudanças, é quase tão certo que hoje o teletrabalho é um travão a esta dinâmica. Porque esta “mudança geracional” não é apenas uma questão aritmética de entrar um para sair outro. Aliás, é fundamental a sua convivência, com tempo, no tempo e no espaço.

Esta separação física que hoje nos é imposta não permite, certamente, esse encontro. Essa passagem de testemunho. E em muitas empresas impede mesmo a contratação dos jovens em busca do primeiro emprego, do primeiro estágio, atrasando ainda mais a sua verdadeira independência. A financeira.

Antepassados

Melhor retrato da falta dessa convivência é uma história antiga que é contada e ter-se-á passado no arquivo do DN. Um jovem estagiário tinha sido encarregue de arrumar o arquivo fotográfico e fazia-o empenhadamente rasgando fotografias de 1975 e de comícios em que se combatia a contrarrevolução comunista. Só foi travado pela chegada de um “veterano” que lhe explicou que aquilo era história. Não coisas velhas. O grande historiador da cidade do Porto, Artur de Magalhães Basto meu avô, tinha uma rubrica no “O Primeiro de Janeiro” intitulada “Falam velhos manuscritos”. Sinal maior da importância da história.

Por isso, na Porto de Ideias e eu enquanto gestor, desde sempre apoiamos a ligação às universidades e mantivemos as portas abertas aos jovens. Ensinado e aprendendo. E tanto que aprendemos e tanto temos crescido.
Como pai quero que a passagem de conhecimento volte a ser o que era. E que continuemos juntos a crescer e a acompanhar a inexorável evolução dos tempos.

É um duplo desafio que estou preparado para enfrentar.